segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Marina: "Falta sustentabilidade política e ética"

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse durante sua fala no 2º Encontro Nacional dos Povos das Florestas, na semana passada, que os esforços por uma mudança no modelo de desenvolvimento esbarram no descumprimento, pelos países desenvolvidos, dos compromissos para redução da emissão de gases poluentes.

- As metas acertadas até 2.012 não estão sendo cumpridas. E já seriam insuficientes. A União Européia promete redução de 20%, mas seria necessária uma redução de 60%, só para estabilizar.

Para a ministra, porém, os países em desenvolvimento não podem reivindicar o direito de cometer os mesmos erros.

- Um dos maiores problemas que enfrentamos no mundo inteiro é a falta de sustentabilidade política e ética.

Ela cobrou os cidadãos, para que pressionem os políticos pela aprovação e efetivação de leis.

- Levamos 15 anos para aprovar (em 2006) lei que preserva os 7% que restam da Mata Atlântica. Poderíamos culpar os deputados e senadores. Mas se pressionássemos desde a base, os prefeitos, os vereadores, levaria 15 anos? Certamente não.

Marina considera que os povos da floresta estão longe de conquistar o que historicamente merecem. Mas que saíram da invisibilidade. Egressa dos seringais, ela disse acreditar em uma inflexão no processo civilizatório.

- Os princípios são os mesmos (do 1º Encontro Nacional, em 1989), mas os objetivos foram ampliados. Agora estamos (os povos da floresta) envolvidos em coisa de gente grande, como as mudanças climáticas.

Nesse momento a ministra se corrigiu: “Ou pequena, porque foi a nossa pequenez que destruiu nosso planeta”.

- Muitos países são potências bélicas. Alguns são potências econômicas. Nós somos uma potência ambiental. Se quisermos ser potência econômica, temos de seguir sendo potência ambiental.

A ministra admitiu que a estrutura e os meios no Ministério do Meio Ambiente são ainda “insuficientes”. Mas exaltou as ações feitas contra o desmatamento, ou na demarcação de 10 milhões de hectares em terras indígenas. “É apenas o começo”, afirmou.

Segundo ela, o desmatamento caiu 50% por conta de “medidas de força”. Ela estima que em 2007 ele deve cair para a cifra de 9.600 quilômetros quadrados.

Sobre biocombustíveis, Marina disse que o Brasil precisa adotar “outra narrativa”, que respeite o meio ambiente e os trabalhadores.

- Não temos de ser uma Arábia Saudita, uma Opep dos biocombustíveis. Temos de fazer que eles sejam trabalhados na África, na Ásia, no Caribe.

Reportagem publicada no site da Agência Repórter Social.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Cadê o Jobim do trabalho infantil?

É um assunto mais importante do que os malabarismos orçamentários do senador Renan Calheiros ou a crise aérea. Mas pouca gente dá atenção. A quantidade de 5 milhões de crianças e adolescentes trabalhando em 2006, número próximo da população da cidade do Rio de Janeiro, deveria ser encarada como um escândalo nacional. Sociedade e governo, no entanto, parecem estar acostumados. A exploração sistemática de brasileiros inocentes e pobres é tomada como um mero detalhe.

Eu disse 5 milhões de crianças e adolescentes trabalhando? Não, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada na sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que são 5,1 milhões. Deixei os 100 mil de fora de propósito – pois essa quantidade já seria inaceitável em qualquer país. Os 5 milhões de crianças e adolescentes explorados no Brasil – por pais, empresários, comerciantes, fazendeiros, mafiosos do mercado informal – estão além do inaceitável.

A variação da porcentagem de explorados nos últimos anos mostra que, em pleno governo Lula, aquele que prometeu nada menos que a er-ra-di-ca-ção do trabalho infantil, pouco mudou. Em 2001, o índice era de 12,7%. Variou para 12,6% em 2002, 11,7% em 2003, 11,4% em 2005, 11,8% em 2005 (um aumento) e 11,1% em 2006. Com um agravante: essa pesquisa mostra o que os pais declararam. Suponhamos que alguns pais tenham preferido dizer que os filhos não participaram da renda familiar – será esta uma hipótese improvável?

E por falar em renda familiar, a mesma pesquisa do IBGE que divulgou o descalabro do trabalho infantil mostra que a renda do trabalhador subiu 7,2% em 2006 (e que é possível dar saltos estatísticos). Foi o melhor resultado em 11 anos. O aumento foi maior entre os trabalhadores pobres das regiões Norte e Nordeste. Justamente dois pólos do trabalho infantil. Ou seja: cruzando minimamente os dados, temos que um dos índices que mais se prestam à comemoração na Pnad teve seu edifício erigido também por mãos infantis.

Mãos infantis e negras. Os dados da Pnad mostram que 59,1% das crianças que trabalham são pretas e pardas - acima da média nacional (49,5%). Isto a quase 120 anos da abolição da escravatura. Os meninos compõem 64,4% do universo de explorados. A atividade agrícola, no país do agronegócio, responde por 41,14% dos trabalhadores mirins. Eles trabalham em média 20 horas por dia. Na última semana de setembro, quando os pesquisadores fizeram o último levantamento, estavam trabalhando 237 mil crianças entre 5 e 9 anos. Vou repetir: entre 5 e 9 anos.

Leia o artigo completo no site da Agência Repórter Social.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Com o Renan no Senado...

... que o país inteiro feche agora para balanço.

A República não se resume a estes senhores. Eles não merecem que fiquemos em estado de choque (sem trocadilhos com o aparato usado pelos seguranças durante a briga...).

Tomemos a absolvição infame como uma motivação para valorizar outras vias de manifestação da cidadania. As ruas, os movimentos sociais, os sindicatos... expressões menos míopes e viciadas de uma sociedade que, ao contrário de Calheiros, é dinâmica e sabe tomar outro rumo quando lhe é instada.

"Quem manda é o setor da terra"

O deputado Carlos Santana (PT-RJ) fez um discurso indignado nesta terça-feira, durante audiência pública para debater a regularização das terras quilombolas. Negro, ele disse que a luta pela aprovação do projeto enviado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva é “injusta”, pois no Brasil se pode discutir tudo, “menos raça”.

- Aqui não tem 20 deputados que se assumem como negros.

Segundo ele, há cinco projetos sobre questão racial parados na casa. Um deles trata de indenização para o marinheiro João Cândido. “Votamos a indenização para o Lamarca. Ótimo, ele saiu como general. Mas o João Cândido, até agora, saiu como marginal.

Santana, egresso do movimento sindical, disse que isso só será revertido de uma forma: “Quando colocarmos a massa no meio da rua”.

- A elite branca deste país deve a nós. No dia em que tiver a massa, vamos votar. O parlamento reflete a hipocrisia da sociedade brasileira. Nesta Casa quem manda é a terra. Em qualquer votação tem de negociar com o setor da terra.

O discurso do deputado foi criticado por representantes da bancada ruralista, como Valdir Colatto (PMDB-SC) e João Almeida (PSDB-BA). Para eles, Santana está querendo o “conflito”. “Somos todos irmãos”, afirmou Colatto. “Santana prega a luta racial”.

Almeida disse que não é papel do Estado gerar conflitos, mas mediá-los. “Não gosto do decreto, e ouço discursos que vão além do decreto. Estava preocupado e agora fiquei um pouco mais”.

Texto publicado no site da Agência Repórter Social , que traz mais informações sobre quilombolas.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Memórias de Corumbiara

Texto sobre as vítimas de Corumbiara conforme publicado no jornal "O Imparcial", de Presidente Prudente:

"Ana Paula Gomes tinha 5 anos no dia do massacre de Corumbiara, em Rondônia. Quando os policiais e jagunços entraram no barraco onde estava assentada, sua mãe estava por cima dela e do irmão Marcos, para tentar protegê-la – oficialmente, 16 pessoas morreram naquele dia, na Fazenda Santa Elina. Mas o jagunço mandou Maria das Graças Gomes levantar e lhe deu uma paulada. Ao apanhar a faca, um policial disse que não era para matar. As crianças começaram a chorar.

Doze anos depois, Maria das Graças contou a Ana que iria para Brasília, acampar na Esplanada dos Ministérios para pedir indenização por aquela sessão de tortura – o marido, Geraldo Gomes do Nascimento, teve o braço cortado (mas não amputado) por uma moto-serra. Ana Paula, a única entre os quatro que trabalha na família, acumulando os estudos com as atividades de empregada doméstica, virou-se para a mãe como se estivesse em agosto de 1995: “Mãe, não vai. Vai ter conflito”.

Não houve. Os sem-terra ficaram 20 dias em frente do Congresso, ao lado do Ministério da Justiça, para serem recebidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para cobrar a promessa feita dias depois do massacre, a de que quando chegasse ao poder daria terra e indenização a todos. Não foram recebidos por Lula, mas, cansados diante do sol e da baixa umidade de Brasília, contentaram-se com compromissos firmados – seis ao todo – na semana passada por seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho.

Deixaram ali histórias de um trauma. Os sem-terra revivem diariamente as cenas das agressões e execuções sumárias – que na época despertaram comentários indignados do próprio presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Geraldo, o pai de Ana, foi um dos que acudiram a menina Vanessa, de 7 anos. Ela levou um tiro nas costas e morreu. Uma das versões dá conta de que ela teria se recusado a pisar no corpo dos companheiros.

Hoje, Vanessa Santos dá nome a um assentamento na região. Diante da reação na época, nacional e internacional, 600 famílias foram assentadas. Os principais são o Vanessa e o Santa Catarina. José Carlos Gonçalves dos Santos, hoje com 28 anos, mora no Santa Catarina. Tinha 15 anos, mas foi torturado junto com os adultos. “Vocês queriam terra?”, perguntavam os policiais. “Então agora tomem terra!” Ele foi obrigado a carregar um senhor que levara um tiro no pé. Não conseguiu. Apanhou. Aí levaram o colega numa rede. Chegando à cidade, todos apanharam novamente.

Tortura diária Uma das histórias mais contadas pelos sem-terra é a dos dois homens que foram obrigados a comer os miolos do cérebro de dois companheiros assassinados. Eram o Natalino e o José Birrinho – apelido herdado de um jogo de sinuca. Hoje José Birrinho é citado por eles como o “José Miolo”. Eles contam de várias pessoas que desatinaram. Fora as que desapareceram. Pelos relatos dos sobreviventes, muito mais gente sumiu ou morreu. Mas eles não sabem quantos. Dizem que, entre as milhares de pessoas presentes no dia da reintegração de posse, muitas fugiram para nunca mais voltar.

Naquele 09 de agosto, os sem-terra foram obrigados a ficar deitados durante horas na Fazenda Santa Elina, desde o início da manhã até as cinco da tarde. Eram pisados, e alguns, sumariamente executados. “Pegavam os próprios cabos de foice para bater na gente”, conta Claudinei Silva Ribeiro, de 31 anos. Ele teve a clavícula quebrada por uma cacetada – não pode mais pegar peso, trabalha como motorista. Sentado na Praça dos Três Poderes, diante do Palácio Alvorada, ele tentou reproduzir a posição em que tiveram de ficar. Não conseguiu: chorou durante vários minutos.

O pedido de indenização percorre os relatos de todos os entrevistados. “Até hoje não posso caminhar direito, por causa dos pontapés na cabeça”, afirma Alfredo Francisco do Nascimento, de 62 anos. Até um coice ele levou. Foi proibido pelos médicos de trabalhar, mas não recebe aposentadoria. Vilmar Alves da Silva, de 51 anos, ficou com um peito “levantado”, após os golpes nas costas. Ele foi um dos que falaram com Lula, no hospital. O então presidente de honra do PT prometeu que, quando fosse presidente, a Fazenda Santa Elina nunca mais ficaria com um fazendeiro.

João de Melo Sobrinho, de 62 anos, viu o filho Vilmar, hoje com 33 anos, ficar louco após ser torturado, com o fio de moto-serra amarrado no pescoço. “Era um rapaz caprichoso, fazia tudo bem certinho. Desse ponto em diante, tudo dá problema nele, qualquer coisa que põe na mão dele ele solta, para arrebentar”. É uma imagem que sintetiza a impaciência dos sem-terra de Corumbiara, sem indenização doze anos depois: é como se algo entre eles estivesse sempre para arrebentar novamente: os ossos, uma explosão de choro, o desespero. A memória, essa resiste.

“Tem hora que a cabeça da gente está tão torturada”, diz Rosimeire Gatti, de 30 anos, uma das que estenderam faixas em frente do Palácio do Planalto. Aos 17 anos ela serviu de escudo humano para os policiais, viu um companheiro ter a cabeça aberta com uma moto-serra e dois colegas serem mortos. “É um sentimento tão grande do que a gente viu, os companheiros sendo mortos na nossa frente, mulheres grávidas sendo espancadas... Vieram policiais pedir para a gente tirar as faixas. Eu disse que só se tivesse outro massacre”."

sábado, 1 de setembro de 2007

Crônicas Brasileiras - I

A criança que não sorria

O desembargador Antonio Carlos Malheiros utilizou boa parte do seu tempo, durante o Seminário Nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos, em Brasília, para motivar os militantes presentes. Falou do trabalho de conscientização dos jovens “e arrogantes” juízes em São Paulo, de sua história na Comissão de Justiça e Paz (decisiva no combate à ditadura), e contou um pouco do seu trabalho como voluntário em hospitais paulistas, quando invoca um lado palhaço para contar histórias às crianças.

Num desses dias, ficou sabendo de um caso de um menino com o rosto desfigurado. Uma criança “sem rosto”, como definiu. O pai do menino assassinara sua mãe e tocara fogo no barraco. As seqüelas estão sendo combatidas no Pavilhão dos Queimados do Hospital Emílio Ribas.

Era uma véspera de Natal e Malheiros decidiu fazer o que sempre faz nessas situações: dirigiu-se ao leito do menino para contar histórias.

Começou a contar. Nenhuma reação.

Insistiu. Ficou parte da tarde contando histórias. Mas o menino não reagia.

Malheiros pensou: “Puxa, estou perdendo meu tempo aqui. Poderia estar com meus filhos, numa véspera de Natal, mas estou contando histórias para uma criança que não reage”.

Mas insistiu novamente, por mais um tempo. Depois foi fazer outras coisas no pavilhão e encaminhou-se para ir embora. Nesse momento, percebeu um puxão no jaleco.

- Tio...

Era ele: o menino sem rosto.

O desembargador ficou surpreso e perguntou o que ele tinha a dizer.

Até hoje ouve a resposta.

- Pode não parecer, mas estou sorrindo...

(textos publicados no site da Agência Repórter Social)

Crônicas Brasileiras - II

Matilde Ribeiro e a homenagem à mulher centenária

A ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria de Promoção à Igualdade Racial, lembrou durante um painel de debates na Marcha das Margaridas, em Brasília, um caso que considera emblemático em relação ao protagonismo feminino – e negro – no Brasil. È o de Maria do Carmo Jerônimo, uma ex-escrava que morreu aos 129 anos, em 2000, e chegou a ser considerada “a mulher mais velha do mundo”.

Matilde lembrou que os movimentos sociais de Itajubá (MG) apresentaram à Câmara do município um projeto para que ela recebesse o título de cidadã itajubense.

- Eram 11 vereadores. Nove votaram contra.

Segundo a ministra, eles fizeram as seguintes alegações:

- Quem era ela? Tinha escrito algum livro?

Não, responde a própria ministra, anos depois. Ela era analfabeta.

- Era alguma cientista, para merecer tamanha homenagem?

Não, expõe Matilde Ribeiro. Ela era uma empregada doméstica. Começou a trabalhar com 75 anos na casa onde morreria, 54 anos depois.

- Era alguma personalidade no município?

Não exatamente, pensa a ministra, no que se refere às pessoas da alta sociedade. Maria do Carmo Jerônimo viveu durante 17 anos na escravidão.

- O que aconteceu, anos depois – concluiu Matilde, antes dos aplausos do público formado por camponesas de todo o País -, foi que, em São Paulo, Maria do Carmo recebeu o título de Cidadã Paulistana. Com toda a pompa que merecia.