quinta-feira, 19 de julho de 2007

Os olhos do Chico (3)


3) O ÍNDIO

Iapirá tem o olhar duro. É um índio kiriri, que foi parar no Rio São Francisco exatamente em busca de água. São 32 famílias, cerca de 130 pessoas. Antes moravam a 200 quilômetros de Paulo Afonso (BA). “Como a gente sentiu dificuldade de trabalho, arrumar o pão de cada dia, teve de sair para um lugar melhor, para sobreviver, ter um ponto com menos sofrimentos para dar de comer à família”.

Ele tem veia poética, cara à tradição indígena. Para falar do rio, compara a água ao nosso sangue. “Se cortar uma veia nossa e deixar aquela veinha ir esgotando, uma gotinha por hora, uma hora vamos morrer. A mesma coisa é o rio. Tem gente perguntando para quê tanta água ir para o mar, que é uma água perdida. Mas a gente tem conhecimento de que assim o rio vai morrer”.

Seu nome no registro de nossa civilização é Carlos Cristóvão Batista. Ele tem um convite a cada um que queira entender melhor o que acontece no Velho Chico: atravessá-lo.

“Não de avião, não de helicóptero, não de barco a motor”, explica. “De barco a remo. Venha de Aracaju até a Serra da Canastra, para ver se passa. Não passa. Hoje ele está cheio, porque Deus mandou a Divina Misericórdia para ele encher e compor suas obras de natureza. Mas tem tempo que você atravessa pisando na areia do fundo do rio. Esta é a verdadeira história, e como é que dizem que tem água sobrando?”

Iapirá fala com dor. Diz que as comunidades indígenas sentem no próprio corpo as agressões ambientais. “A gente sente como se tivesse sendo massacrado pelo governo, como estamos. Se ele está tirando a vida do rio, não está tirando a vida do rio, e sim a vida de vários seres humanos. A gente fala com segurança e com tanta dor que o próprio governo está matando o povo dele, e com as próprias mãos”.

Iapirá fala também com raiva. É seu cotidiano de plantio e pesca que julga ameaçado. E essa raiva é histórica – sem a lógica da diplomacia cara-pálida. “Não é só o fazendeiro que massacra o rio, mas também o povo da cidade, que faz um canal de esgoto para jogar toda a sujeira dentro do rio”. Ele cita o exemplo dos animais mortos nas fazendas, que em vez de serem enterrados ou queimados vão parar no Velho Chico – afetando quem usa a água mais abaixo “para beber, para lavar, para cozinhar”.

E fala também da raiva. “Se viesse um elemento lá de fora, entrasse dentro de sua casa, e cortasse um braço de sua mãe, de seu pai, ia ficar satisfeito?”, pergunta – com a voz mais aguda, emocionado. “A mesma coisa é estarem exterminando e cortando o rio. Para matar, para morrer o rio, essas são as intenções desse povo branco, que aí está com essa ganância, esse orgulho, esse poder econômico. Por isso que falo com raiva, porque está matando o pai e a mãe desse povo que mora na beira do rio.”


Um comentário:

Anônimo disse...

Índio mesmo? Que negócio é esse de "Divina Providência"?
Acho que os próprios índios estão morrendo com o rio...